terça-feira, 30 de agosto de 2011

A Espreita


Perdi a chave
A gaiola está trancada
Olho fixamente para o gato
Ele lambe a boca
E me fixa também
Eu choro de medo
Mas chorar não adianta
Estou sem a chave
Quem sabe o gato pegou
Não posso dormir
O gato espera que eu durma
O gato sorri satisfeito
Com o meu sono
Sorriso felino... traiçoeiro
Ele ronrona... Uma suave canção
O sono vem
E o gato tem a chave
Não preciso da chave
O gato comeu meu corpo
Mas se engasgou com a
Minha alma
Meu espírito o sufocou
O gato morreu
Mas eu sempre estive livre
Minhas penas ficaram
Na boca do felino
Mas o coração
Fugiu para sempre
O gato morreu
Mas eu estou aqui em cima
Olhando seu corpo estirado
Através da porta aberta
Da gaiola
Com a chave na mão...
(15/07/1992)

Marise Lima Muniz 

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Grito Mudo


Eu sempre me convenci
Você tem que enfrentar tudo
Você não pode fugir nunca
Meu Deus! Como eu quero!
O direito de fugir
O direito de jogar tudo
Pro alto
O direito de sumir
Olho a minha volta
E vejo as pessoas
Levando a vida como querem
E me vejo aqui parada
Engolindo tudo
Engolindo seco
Espinha de peixe
Atravessada na garganta
Furando, vazando pelo pescoço
Não posso nem gritar
Lágrima escorrendo
Grito mudo da garganta.
(06/07/1992)

Marise Lima Muniz

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Luz e Sombra


Fico vagando
Como uma sombra
Procurando lugar para ficar
Pousar e envolver
Não me identifico mais
Mudo minha forma
A cada mudança de luz
Se a luz for muito forte
Corro o risco de sumir
Vida de sombra
Vida sombria
Sombria rima com fria...
Solidão sombria... fria...
Vida de sombras
Sombras sem vida
A sombra assombrou a vida
Crio a ilusão da imagem inversa
Imagino que o reflexo da sombra
Poderia ser luz
Poderia ser azul
Poderia ser negro
E no negro, também sumir...
(06/07/1992)

Marise Lima Muniz

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Fábula da Mentira


No mundo dos animais racionais, a Mentira reinava imponente, e conhecia de cor as desventuras da Verdade, séqüitos nunca lhe faltavam, e todos eram honestos, todos eram leais, todos tinham ética e todos tinham moral ilibada. A vaidade era eternamente jovem, falava aos quatro ventos o que jurava ser sua idade. O orgulho contava seus feitos, e a mentira prontamente aprovava.
Ela reinava absoluta, era dita e bendita como socialmente aceita, todos a justificavam, todos eram condescendentes, afirmavam que de fato era necessária.
       Neste reino absoluto, todos acabaram esquecendo quem eram; preocupados demais com o que os outros achavam deles, com medo demais de saber quem realmente eram, pois  a raiz da mentira, é justamente mentir para si mesmo, o resto é conseqüência desta ausência da verdade.
De repente mentiam tanto sobre si mesmos, que já não gostavam do próprio rosto, e cobiçavam o rosto de alguém, nas redes sociais eram sempre virtuosos, eram sempre generosos e engajados, mas quem sabe, quem pode ter certeza, deste esquecimento coletivo, destas diferenças renegadas.
Não é a verdade que magoa, é como se fala dela, mas este era um motivo a mais, com o qual a mentira comprazia-se, desta deselegância brutal dos ditos donos da verdade.
O grande conselheiro da mentira é o julgamento, o horror abissal de ser julgado, a contrapartida da falta de medida para julgar os outros.
Mas quando um Império tirano atinge seu ápice, principalmente um império que a todos calou, corações sonham com sua derrocada, e pouco a pouco, nasce à vontade de ser diferente, e o direito inafiançável de ser quem de fato é, e ser aceito como tal, e a contrapartida de aceitar os outros como são.
Mas haverá um dia no reino da mentira, sinto que todos sonham com este dia, o dia em que todos serão verdadeiros, sem medo e sem julgamentos. O dia que cada um poderá reconhecer os seus atos, e falar deles sem vergonha. Não mais um mundo de vitórias e fracassos, um mundo de aparências, mas sim de valores e de consistência, um mundo aonde os animais racionais, assumem o verdadeiro significado de ser humano, este será na Verdade o maior sonho humano, e com certeza o maior pesadelo da Mentira.

Moral da história: No dia que todos aceitarem as diferenças, a porta da verdade se abrirá, e pela mesma porta a mentira saíra.

Marise Lima Muniz

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A Fábula da Verdade


Um certo dia, todos os animais racionais, num processo de consciência coletiva e unânime, perceberam que a Verdade nunca esteve aqui, que ela nunca existiu no sentido literal da palavra, no sentido do que de fato ela representa. Foi com certeza um dia muito estranho, pois todos, todos mesmo, saíram de suas casas e começaram a chamar pela Verdade, foram tantos os pedidos, foram tantas as súplicas, que a Verdade se comoveu e resolveu atender o chamado, afinal, todos os animais racionais estavam reunidos nesta intenção, algo bastante incomum, ato que merecia atenção.
A Caminho da Terra, a Verdade sorria, e se sentia desejada, fantasiou as diferentes recepções que teria e ficou mais satisfeita ainda.
A Verdade se manifestou diante de todos, imaginando que ao vê-la todos viriam em sua direção, consternados e agradecidos. Mas quando os animais racionais viram a Verdade diante deles, correram todos para suas casas. A Verdade estranhou, mas pensou:- Oras! Eles não acreditavam que eu pudesse vir, devem ter corrido para suas casas, para preparar uma recepção de acordo para mim.
Ela aguardou algum tempo, e vendo que ninguém se manifestava, resolveu bater de porta em porta, mas para seu espanto, ninguém abriu nenhuma porta, ninguém nem sequer respondeu.
Todos os animais racionais ficaram apavorados com a presença da Verdade, pensando no horror que seria, caso ela entrasse.
Não foi preciso muito tempo para que a Verdade entendesse; que não era não é, e nem será bem vinda. E assim do mesmo jeito que ela veio ela partiu.

Moral da estória: Todos clamam pela Verdade! Mas se ela vier! Quem vai querer ouvi-la? Quem de fato não esconde nada?

Marise Lima Muniz

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Mentira ou Verdade

Sou uma mentira
Sou uma verdade
Ilusão ou realidade
Se sou mentira
Terei humildade para aceitar
E se sou verdade!
Terei capacidade para conduzi-la
Até que ponto a mentira
É verdade?
E quantas verdades viraram
Mentiras?
E eu que sempre acreditei
Na verdade!
E se a verdade mentiu para mim?
E se a mentira era verdade
       Ilusão ou realidade
       Realidade ou ilusão
E se os sonhos forem verdades?
Que verdade haverá na realidade?
E se acordada crio tantas
Ilusões
Quem sabe sonhando
Contemplarei a pura realidade
Quem sabe o silêncio
Seja a maior palavra
Quem sabe! Quem saberá?
Me calo
Talvez seja ilusão
Mas também
Pode ser
A mais concreta realidade.
(13/07/1992)

Marise Lima Muniz

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Desastrada

Permaneço no ar
Não me canso de voar
Bato asas coloridas
De borboleta que sou...
Mas... vôo ao redor da luz
Dos seus olhos
Como as mariposas
Na noite escura

Não sou mais uma borboleta!
Sou sim, um coelho assustado
E de olhos esbugalhados de pavor.
Também sei, ser sabonete
Posso sair correndo...
Dando saltos, assustado
... ... ... ... ... ... me esconder!

Posso de medo de derreter
Escorregar das suas mãos...
E no desespero da fuga
Escorrer pelo ralo...
Desastrosamente...
Sumir... (04/07/1992)

Marise Lima Muniz